terça-feira, 28 de outubro de 2014

Minha nada mole vida.

Vivia a trancos e barrancos a bendita Severina. Vamos acordar cedo, que hoje é dia de branco. Qual o sentido dessa frase? No mínimo é um pouco racista. Vamos acordar cedo, que hoje é dia de gente! São 2 ônibus de ida e dois de volta até a casa da patroa. Alguns achariam chato, cansativo. Severina acha divertido. Senta-se na cadeira em que mais acontece rotação das pessoas que ali estão, só pra bater papo com gente diferente. Ouvir histórias de ônibus. Não passava em nenhuma paisagem bela. Alguns achariam aquilo um saco, chorariam por não estar a avistar o mar de Copacabana, tão lindo. Severina olha em volta e quando vê alguma cena, imagina histórias, contos, livros, novelas. 

Quando chega no serviço, a patroa ainda dorme, e ela prepara um café da manhã gostoso, por que o café é a refeição mais importante do dia. Só não sabia que a patroa deixou de presente uma barata encurralada na dispensa. Alguns sairiam correndo e chorariam de pavor. Severina mete spray inseticida na barata e morre de rir quando ela se contorce no chão. 

Alguns minutos depois, a patroa acorda, com um sorriso, "bom dia Severina, que café com cara de gostoso!" E Severina abre a cara pra sorrir, feliz pelo reconhecimento de ter feito um simples café. 

A patroa saca um iPhone do bolso e começa a mexer freneticamente. Severina assusta e diz "sempre quis ter uns negócios desses ai, sabia? Mas o dinheiro nunca deu pra nem chegar perto. To com um pai de santo ali que só recebe." Alguns se abateriam diante desse fato e chorariam por não usar o instagram e seguir os famosos na rede. Severina gargalha e diz "mas ainda bem né? Dizem que isso ai é o mal do século, as pessoas nem conversam mais cara a cara. Prefiro bater papo com o porteiro." 

Quando a patroa sai pra trabalhar, Severina vai fazer o almoço. As batatas estavam ruins, e ela desce no supermercado pra comprar novas. Ela sabe que aquele lugar só é frequentado por gente rica, devido à região em que se encontrava. E todo mundo a olhava de rabo de olho. O que essa empregada está fazendo aqui? Acontece que Severina impina o nariz e segue pra fazer as compras. Na hora de pagar, uma mulher a encara tanto que ela diz "que foi moça, ta admirando minha pele negra que é menos provável de ter ruga? Fica assim não, a senhora tem dinheiro pra aquele negocio, como o nome? Botox" e sai rindo. 

Ao passar em frente de uma farmácia no caminho, ela ouve uma adolescente dizer "por que minha vida é tão ruim? Por que tudo dá errado?" E resolve parar. Olha pra menina, que chora em desespero e diz "Ô minha filha, a vida é todinha todinha um teste. Eu não sei o que aconteceu, e sei que seus problemas são diferentes dos meus, mas ainda assim te fazem mal do mesmo jeito. Mas eu aprendi que quando a gente dá uma risada boa pra vida, ela devolve em forma de coisa boa... Se a gente enxergar o mundo com olhos de positividade, as coisas ficam bem mais fáceis... Então não fica assim não... A sua vida não é ruim... Você ta só passando por um problema, e ele logo se resolve se você deixar ele tão pequenininho na sua mente que seu pé pode esmagar ele!" Deu um abraço na menina e saiu andando.. Severina gostava de fazer o bem. 

Fez o almoço, limpou a casa da patroa e pegou suas duas conduções de volta pra sua humilde residência. Severina vive uma nada mole vida, mas sorri sempre que algo a entristece, e a atmosfera parece ficar leve.

Júlia Fagundes