terça-feira, 26 de agosto de 2014

37

Antes de ler o texto: quero que saibam que esse é um texto que escrevi há muito tempo. Mas ainda é meu preferido. Ele é grande, mas aonde o leio ouço que vale a pena o tamanho. Então, com vocês... 37! 


Eu tinha 17 anos e jurava que ia casar com você
Ter dois filhos - uma menina e um menino 
Seríamos felizes pra sempre. 
Hoje tenho 37. 
Vinte anos depois de tudo aquilo que eu prometi pra você, 
nosso então amor insano não se fez eterno. 
Na verdade o amor fez sim, o que não fora eterno foi a união. 
No meio do nosso turbilhão e ocupados demais com sermos eu e você, 
nos perdemos nessa tal existência e deixamos pra trás o sermos nós, 
o que culminou no nosso fim... 
Foi triste e um dia superamos. 
Duramos longos 3 anos, o que naquela altura do campeonato me fazia achar que iríamos realmente durar uma eternidade. 
Passado o tempo me desprendi e fui viver meu presente, 
e futuro. 
Até que esses dias esbarrei em você. 
Você ainda mora aqui. 
Ainda usa aquele mesmo óculos, o mesmo corte de cabelo. 
Seu estilo de roupas é um pouco mais sério, o que me faz pensar que você conseguiu terminar sua faculdade de direito como sempre quis. 
“Meus parabéns senhor advogado” (ou vossa excelência? A essa altura eu já nem sei mais) 
Você usa uma aliança na mão esquerda. 
Ok, você se casou. 
E não foi comigo. 
Por que mesmo que a gente se separou? 
Fico alguns longos segundos tentando decidir se atravesso a rua e te cumprimento. 
Você fala com alguém no celular, claro, com aquele seu jeitinho irritadinho que tanto presenciei. 
Onde ficava meu ponto de calma pra aguentar tudo aquilo mesmo? 
Desmoronou em 3 anos. 
Ah que vontade de voltar no tempo e consertar tudo. 
Quero chegar perto de você e perguntar como estão as coisas (mesmo que dentro de mim a pergunta mesmo seja "como foi que você ficou sem mim?") 
Quero dizer "ei, completei a faculdade de medicina sabia? acho que dá pra perceber por que to de branco... namorei outros caras, achei que amei mais uma vez... mentira. 
Nunca amei ninguém depois de você... Pela sua mão eu vejo que você sim. 
Me mudei, passei uns tempos com meu padrinho no exterior... 
Meu inglês foi melhor que nunca naquela época.
Hoje ainda é bom, mas não ando tendo muito onde usar... 
Não tenho tempo nem vontade de cantar e tocar como antes. 
Não converso com estrangeiros, não assisto seriados.. meu inglês foi pro beleléu.. 
Como tá a vida? 
Você foi pai aos 28 como queria? 
Ensinou seu filho a jogar futebol e a juntar as letrinhas?”
Você hoje carrega uma pasta. 
Passei anos insistindo que comprasse uma. 
Será que você trabalha embarcado como sempre falou que iria? 
Comprou seu pandeiro de couro, carregou seus instrumentos pra casa nova? 
Aposto que sua família respira música, pagode de preferência. 
Você ainda toca por aí ? 
Nunca mais ouvi anúncios dos seus shows... fui à mais uns dois depois que nos separamos, mas fiquei bem longe do palco, sabia que sua miopia não deixaria você me enxergar. 
Você ainda fala com alguém no telefone. Articula, joga os braços pra cima ao reclamar de algo com alguém. 
E de repente resolvo atravessar. 
Você me vê e semicerra os olhos. Sorrio e você olha pro seu pé e desliga a chamada.
Eu paro aonde eu to... 
ainda tem espaço entre nós... 
sem saber se devo chegar mais perto que isso... 
Você faz que sim com a cabeça e me dá a mão pra me ajudar a pular a poça de água que acumulou da chuva entre a rua e o meio fio. 
Os bueiros daqui nunca foram muito bons. 
Sua mão na minha me faz ficar inteira vermelha. 
E eu nem me vi pra saber. 
Quando dou um pulinho e paro na calçada, paro direto no seu abraço apertado! 
Você diz bem perto do meu ouvido "Saudade." 
E eu digo "Também." 

Por algum motivo, a cena fica turva. 
Turva.
Pisco.
Pisco, e quando olho pro lado a gente tá deitado na nossa cama. 
Você me dá um beijo na testa e diz "Você tava tremendo minha princesa, pesadelo?".


Júlia Fagundes