quinta-feira, 14 de maio de 2015

Através do portão

Primavera. A temperatura estava amena e era mais um dia para Dona Cila. Atrás de um portão velho de ferro se escondiam a senhora e sua companheira, a cadeira de balanço. Passava horas ali, analisava o voo dos pássaros e o balançar das folhas das árvores.
Ao lado, uma casa pequena, velha e bem bagunçada. As janelas já estavam emperradas, e só havia uma porta para entrar e sair. Saia apenas para a varanda, onde havia um vaso com o caule seco de uma velha orquídea, que apesar de ser primavera fazia dois anos que não dava flor.
Foi no vai e vem de sua cadeira que Dona Cila viu as transformações da vida: uma lagarta que virou borboleta, a garoa que virou tempestade e sua filha, que a visitava uma vez por semana para renovar o estoque de comida e remédios e tomar a benção. "Boa-tarde" e "Que Deus te abençoe" eram as únicas palavras que saiam da boca de ambas naquela casa.
A filha cresceu, casou-se, procriou e a senhora continuou a se balançar na velha cadeira. A solidão se fazia presente a cada dia. E no abrir diário dos álbuns de fotos, Cila se lembrava dos eventos passados. A cada passar de páginas era um sentimento diferente. Pessoas que já se foram, outras que cresceram e nunca mais voltaram. O intervalo de visitas semanais aumentou. Uma vez por mês. De seis em seis meses. De ano em ano, até nunca mais.
Ela fora esquecida e deixada de lado, igual se deixa uma velha blusa. Os remédios foram consumidos por completo. A comida acabou. A vida, também. Agora a cadeira ficou só.
Uma vizinha que passava todos os dias e a via balançando, notou sua falta, e correu para avisar a filha.  Cila foi encontrada morta uma semana depois de seu falecimento. Mas apesar da solidão, foi encontrada viva no coração daqueles que das fotos fizeram as lembranças.

Carolina Gomes