quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Nódoa.

Você veio e me manchou. Mas não tem problema. Todo mundo tem aquela receita de tirar manchas infalível que a tatarataravó descobriu e passou adiante, não é? Quem sabe não esteja na hora de eu usar a minha? Foi todo um aparato pra estar contigo. De maquiagem a molduras no coração. Foram sinuosas mudanças, que languidas, te trouxeram até mim. Mas vai entender essa minha cabeça... Esse meu coração... Abri meus olhos e notei com atenção. Seriam essas manchas vermelhas, o que restou da paixão? 

Não adiantou luva, sabão de coco, esfregão. E como quem não quer nada, resolvi usar a receita da vovó. Derramei sem dó, e desatei nosso nó. 

Te mandei partir quando eu menos achei que iria. Mas no fundo, o meu coração meio que sorria. Parecia ter tirado um peso das costas. Como se na caverna em que eu estava, se acendessem tochas. 

Era estranho te deixar e dizer que aquilo tinha me feito flutuar, e que se eu deixasse, o vento podia até me levar. Eu, que sempre amarrei meus burros em você, hoje fico à mercê, de perceber que ir embora nem sempre significa sofrer. 

Retirei às pressas as nódoas suas. Me despi de toda sua carga e me vi nua. Pronta pra vestir o que quer que meu coração quisesse, já não preciso de missa, oração nem prece. 

Hoje meu coração sorri, pelas manchas que deixei ir, com a receita da vovó, que te fez reduzir à pó.

Júlia Fagundes